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Nem G20, nem G2 – o mundo está entregue a um G-Zero, diz Ian Bremmer

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Em três anos apenas a correlação de forças na economia mundial ficou de pernas para o ar.

O G7 (os sete países com as economias mais desenvolvidas na segunda metade do século XX) de boa memória foi deitado para o caixote do lixo da história. Emergiu do meio da tormenta da Grande Recessão, em setembro de 2008, o G20, um mosaico de potências mais desenvolvidas e novas potências emergentes, que estava esquecido no armário. O presidente Obama julgou poder partilhar o comando dos assuntos mundiais no quadro de um G2 e liderar esse grupo de vinte países bem diversos. Mas a China disse não.

Ian Bremmer em Davos 2011

O que ficou? Uma superpotência – os Estados Unidos – que não consegue impor mais a sua agenda e nenhuma outra grande potência com vontade de partilhar as dores de uma nova época. Vivemos com um G0, diz Ian Bremmer, presidente da firma de consultoria Eurasia Group, sediada em Nova Iorque, que, com o professor Nouriel Roubini, o conhecido “Doutor Desgraças”, publicou, recentemente, na revista americana de geopolítica Foreign Affairs, um artigo polémico com o título “O mundo do G-Zero”. Ian Bremmer é, também, co-autor de “Fat Tail” (Oxford Univ. Press, 2009).

A divulgação desta ideia de “vazio” geopolítico no seleto encontro anual de VIP do mundo no World Economic Forum em Davos provocou a ira do patrão dos patrões franceses, o chefe do MEDEF (Movimento das Empresas de França, antigo Conselho Nacional do Patronato Francês), e do presidente do comité presidencial coreano (que havia presidido ao G20 no ano passado) que atacaram Bremmer e Rubini quase como uma espécie de atiradores furtivos mortinhos por desencadear uma “guerra económica” de largas proporções.

Bremmer e Roubini responderam que não eram terroristas, que não estavam a “inspirar” nada – apenas “analisaram”. “Infelizmente, é a situação em que estamos”, disse Bremmer aos críticos exaltados. O que é que vai resultar desse “vazio”? Mais volatilidade e mais conflitos. Aliás patentes na incapacidade das cimeiras mais recentes do G20 em produzir mais do que frustrações, diz ele.

Entrevista a Jorge Nascimento Rodrigues @2011

O G2 – o eixo Estados Unidos-China – é, apenas, uma invenção de académicos, jornalistas e gabinetes de contrainformação ocidentais?
Há sobretudo muita gente em Washington que gostaria que o G2 existisse. Mas, na verdade, não existe. Porque a China não tem qualquer interesse, por ora, em aceitar os riscos e o fardo que vêm na bagagem com o assumir de tais responsabilidades mundiais. Pergunte a qualquer funcionário chinês o que pensa disso, e logo ouvirá o argumento de que a China continua a ser uma economia em desenvolvimento vulnerável com imensos desafios internos para lidar, sem margem para se colocar em bicos dos pés como superpotência global.

O presidente Obama teve, por isso, de recuar nesse objetivo, que praticamente não passou de um desejo?
Sim, a Administração Obama teve de aceitar. Não teve outra alternativa.

Mas com um G-Zero, há como que um vazio. Os Estados Unidos perderam o seu estatuto de superpotência sozinha?
Segundo as métricas tradicionais, os EUA continuam a ser a única superpotência global. Washington gasta em defesa tanto quanto o conjunto dos vinte países seguintes na lista de despesas militares. É um fosso impressionante. Claro que conta. Mas será, na verdade, o melhor indicador de poder no mundo de hoje?

E é o melhor indicador ou não?
Quando avaliamos o poder económico, ou mesmo cultural, há cada vez mais países que podem fazer a diferença.

O que é que isso implica para os americanos?
Washington tem cada vez menos possibilidade, ao contrário de décadas anteriores, de obter o que deseja de outros governos. Os EUA permanecem a potência mais forte – e nos tempos mais próximos assim deverá continuar -, mas deixou de ser suficientemente forte para impor grandes mudanças na situação internacional.

E desde quando isso ficou claro?
Desde o eclodir da crise financeira. Com a economia mundial à beira do precipício, um grupo como o G7, que incluía o Canadá e a Itália, mas punha de parte a China e a Índia era inviável. Foi da aceitação desta evidência que emergiu o G20. Foi um bom passo em frente. Já não era sem tempo que a China, Índia, Brasil, Turquia e Indonésia e outras economias emergentes tivessem assento à mesa.

Com esse “vazio” regressámos ao jogo de forças do século XIX, quando a Rule Britannia começou a definhar?
A geoeconomia regressou a essa situação, mas tornou-se mais um jogo de soma nula. Nos tempos da Guerra Fria, no século XX, era a balança política e militar entre as duas superpotências que era um jogo de soma nula. Mas a crise financeira e a recessão global acentuaram a aversão ao risco em todos os países do mundo – tanto entre as potências estabelecidas como entre os jogadores emergentes.

O que é que implica essa aversão ao risco?
Que, de momento, os governos percebem que a sua sobrevivência depende mais de protegerem o crescimento local e os empregos locais. Isso é tanto verdade na América, como na China, como na Europa, no Brasil ou onde quer que seja. Este interesse egoísta alterará de um modo substancial a dinâmica por detrás da globalização inspirada pelo Ocidente.

Está a dizer que uma vaga de protecionismo vai paralisar o G20?
Paralisar é capaz de ser um exagero. Mas deveremos esperar três tendências: um disparo no protecionismo comercial, uma falta de coordenação nas políticas cambiais e a gradual erosão do papel mundial do dólar como divisa internacional e da aceitação multilateral de padrões globais. E mesmo outros problemas que derivam da falta de consenso dentro do G20.

Vamos assistir a um recuo da globalização?
Sim, no sentido da globalização que o Ocidente pilotou. Este ambiente de G-Zero deverá lembrar-nos que, apesar da Guerra Fria já ter sido enterrada, ninguém no mundo se esqueceu de como se erguem muros. Nos aspetos em que a globalização pareça ameaçar o crescimento local e os empregos locais, novas medidas de controlo serão colocadas em prática que levantarão novas barreiras ao processo sem precedentes da velocidade com que as ideias, a informação, as pessoas, o dinheiro, os produtos e os serviços galgaram fronteiras.

Corremos o risco de uma guerra de divisas, como avisaram os brasileiros?
O ministro das Finanças brasileiro avisou explicitamente para isso. Mas a palavra “guerra” se calhar é demasiado forte, pelo menos para o imediato.

A que poderemos, então, assistir nos próximos meses?
Já vimos que os americanos estão dispostos a prosseguir uma política monetária de “alívio quantitativo” (quantitative easing, no original) para incentivarem a retoma económica no seu país. Trata-se de uma forma de política no campo das divisas com implicações internacionais enormes. Sabemos que a China, por seu lado, também resiste às pressões dos EUA, Europa, Brasil e Índia para apreciar a sua moeda, o renminbi. Por outro lado, países como a Coreia do Sul, Taiwan, Colômbia, Peru e Tailândia provavelmente irão impor algum modelo de controlo de capitais no curto prazo. São países em que este tipo de controlos poderá ajudar a obter o resultado final desejado sem infligir estragos sérios na reputação do país como destino do investimento direto estrangeiro.

E será que o dólar cederá o lugar a uma nova divisa internacional, algo como o “bancor” sugerido por Keynes nos anos 1940?
Não creio. Não prevejo um novo Bretton Woods para formalizar uma mudança tão de fundo como essa proposta por Keynes. O dólar como reserva internacional terá de se defrontar com o ouro e com stocks de commodities e com mais trocas bilaterais denominadas nas moedas dos envolvidos como sucede no comércio entre China e Brasil, por exemplo.

Qual foi a reação mais violenta em relação a esta vossa análise da situação mundial?
Foi, sem dúvida, em Davos, por parte de altas individualidades francesas e coreanas. Mas isso não admira. França e Coreia do Sul procuram ganhar importância internacional através destes encontros e estão envolvidas como organizadoras das cimeiras do G20 – a Coreia do Sul no ano passado e a França este ano.

Mas que lhes respondeu?
Bom, não podemos ter um G-Todos. A única virtude do G20 é reforçar a sua reputação no sentido da simplicidade.

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